Nota técnica COVID-19


Impacto da pandemia de COVID-19 nas emissões de gases de efeito estufa no Brasil

Para além da tragédia humana das milhares de mortes, a pandemia de Covid-19 e as medidas de isolamento necessárias ao seu combate têm gerado enormes mudanças e pressões para o sistema de saúde, a vida cotidiana e a atividade econômica.

Essas mudanças têm o potencial de causar impactos também sobre a agenda climática, um dos maiores desafios globais de nosso tempo. A alteração do nível de emissões de gases de efeito estufa na atmosfera em 2020 é um dos principais impactos.

Estima-se que as emissões de GEE no planeta possam sofrer uma queda de 6% neste ano, o que seria a maior redução anual já registrada desde que os levantamentos começaram a ser realizados sistematicamente, nos anos 1990. Essa estimativa, feita pelo CarbonBrief a partir de revisão de várias fontes, tem como base principalmente o impacto da redução na queima de combustíveis fósseis, que respondem por dois terços das emissões globais de GEE.

O Brasil é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa no planeta, mas com um perfil diferente, no qual o uso da terra responde por mais de dois terços das emissões.

O Sistema de Estimatica de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG/OC) elaborou uma Nota Técnica dedicada a investigar o impacto que a pandemia de Covid-19 tem sobre as emissões brasileiras de gases de efeito estufa e na trajetórias das emissões no ano de 2020.

Avaliamos que a pandemia tem, no agregado, o efeito de potencialmente reduzir as emissões de GEE no Brasil, com as reduções nos setores vinculados a energia, indústria e resíduos compensando ou neutralizando o aumento nas emissões da pecuária.

Para alguns setores como mudanças de uso da terra, em especial o desmatamento na Amazônia e Cerrado, não foi possível traçar uma correlação entre a Covid-19 e o ritmo das atividades e, portanto, o impacto nas emissões.

Contudo, a tendência é que as emissões de GEE no Brasil em 2020 aumentem em relação a 2019. Isso decorre do fato de a principal fonte de emissões, que são as mudanças de uso da terra (44% das emissões em 2018), estão em franca expansão pelo crescimento do desmatamento na Amazônia, que avança a despeito da pandemia.

Estimamos que as emissões em 2020 possam crescer de 10% a 20% em relação a 2018 (último ano com dados já disponíveis), dependendo da trajetória do desmatamento na Amazônia nos próximos meses e do tempo para o início da recuperação da economia.

O Brasil terá em 2020 uma trajetória crescente de emissões de GEE, que segue no sentido oposto da forte retração prevista para economia brasileira e global, e também na contramão das metas da Política Nacional sobre Mudança do Clima.

Na barra horizontal as cores representam o impacto da pandemia da COVID-19 nas emissões:

  • Redução
  • Potencial Redução
  • Neutro
  • Potencial Aumento
  • Aumento
  • Não Avaliado

No símbolo ao lado de cada título ou parágrafo indica a tendência das emissões para 2020:

  • arrow_downward Redução
  • arrow_downward Potencial Redução
  • panorama_fish_eye Estável
  • arrow_upward Potencial Aumento
  • arrow_upward Aumento

Mudança de uso da terra

As emissões do setor de mudança de uso da terra é fortemente correlacionada com o desmatamento na Amazônia e Cerrado que respondem por mais de 88% das emissoes por mudanças de uso da terra. As emissões devem aumentar em 2020 por conta do forte crescimento do desmatamento da Amazonia apesar da redução do desmatamento observada no Cerrado. Não foi possivel correlacionar o crescimento das emissões com a pandemia de COVID19.

Agropecuária

A estimativa das emissões de GEE da agropecuária abrange as atividades de produção agrícolas perenes e não perenes e a criação e a produção animal incluindo bovinos, galináceos, caprinos, entre outros. Também inclui toda atividade relacionada à fertilização nitrogenada do solo (via dejetos animais e fontes sintéticas), a decomposição de resíduos agrícolas pós-colheita, o cultivo de solos orgânicos e de áreas de arroz irrigado. As emissões decorrentes de desmatamento, conversões de uso do solo, utilização de calcário em solos agrícolas (calagem), resíduos agroindustriais e energia, são contabilizados nos respectivos setores de Mudanças de Uso do Solo, Resíduos e Energia. No primeiro momento da COVID-19 no Brasil, observou-se uma redução no abate de bovinos de corte (principal fonte de emissão da agropecuária) em função da pandemia, indicando que se essa tendência se consolidar, as emissões do setor devará subir até o final do ano. Com menos abates, mais bovinos estariam sendo retidos no campo e, portanto, emitindo GEE. Não são esperados aumentos nas emissões de GEE nos demais subsetores da agropecuária (i.e. uso de fertilizantes nitrogenados e cultivos agrícolas) em função da pandemia.

Energia

As emissões de gases de efeito estufa (GEE) relacionadas ao setor de energia são provenientes da queima de combustíveis fósseis tanto em atividades associadas à produção de energia, como a geração de eletricidade ou o refino de petróleo, quanto no uso final dessa energia, como a combustão da gasolina em motores automotivos ou a utilização de GLP em fogões residenciais. Além disso, em menor escala, também existem as emissões fugitivas, resultantes do escape de GEE durante processos de produção de combustíveis, como o vazamento de metano na exploração de petróleo e gás natural. Com isso, pode-se dizer que as emissões do setor de energia acompanharão as tendências e dinâmicas da atividade econômica, tendo grande peso a demanda de combustíveis fósseis pelos modos de transporte, com destaque para o rodoviário.

Processos industriais

Processos industriais se trata do setor onde são alocadas as emissões que ocorrem devido a fenômenos de transformação física ou química na fabricação de produtos; sendo que as principais indústrias emissoras são a siderúrgica, a cimenteira e a química (que agrega a fabricação de diversos produtos químicos). Já no terceiro mês de 2020, segundo o IBGE, a produção industrial caiu 9% frente a fevereiro, o que representou o pior resultado para o mês de março desde 2002. Dependendo da evolução da pandemia e da movimentação econômica no Brasil, a atividade industrial pode acelerar esse ritmo de queda, o que, por consequência, diminuiria as suas emissões.

Resíduos

O setor de resíduos contempla a análise de emissões associadas ao tratamento de resíduos sólidos, como por exemplo, a disposição final em aterros sanitários ou a incineração de resíduos de serviços de saúde, e ao tratamento de efluentes líquidos, tanto domésticos, quanto industriais. No primeiro momento COVID-19 no Brasil, com base em dados de 15 de março a 17de abril, observou-se uma diminuição na quantidade de diferentes tipos de resíduos coletados, o que indica que as emissões devem reduzir no período analisado. No entanto, destaca-se uma tendência global de aumento na geração de resíduos, tanto hospitales, quanto comuns, o que sugere que nos próximos meses as ações de enfrentamento a pandemia podem provocar um aumento na quantidde de material coletados, bem como nas emissões de GEE. Apenas para as emissões associadas ao tratamento de efluentes industriais se projeta uma possível redução para 2020, devido ao esfriamento da economia.

Transportes

A partir dos dados consultados, realizamos uma estimativa preliminar das emissões de transportes. A estimativa indica que as emissões de transportes para o primeiro trimestre de 2020 foram de cerca de 50 Mt de CO2, o que equivaleria ao menor patamar para o período desde 2012. Por outro lado, esse número corresponde a um valor apenas 1% menor do que o estimado para 2019. Além disso, percebe-se que a média de emissão para os primeiros trimestres de 2012 a 2020 foi de 54 Mt de CO2, valor próximo do encontrado para 2020. Assim, apesar de existir, sim, a expectativa de queda de emissões, principalmente a partir de abril, a quantidade de carbono emitida por veículos até o mês de março ainda não está distante do histórico recente.

Indústria

O fôlego produtivo do setor industrial como um todo está associado à atividade econômica do país, e as previsões de retração da economia devem influenciar negativamente a indústria brasileira.

Produção de Combustíveis

O início do ano foi marcado por importante aceleração das atividades de produção de combustíveis, o que levou a um aumento das emissões do primeiro trimestre de 2020 quando comparado com o mesmo período de 2019 (janeiro a março). A variação das emissões nesse período foi de em torno de 0,8 Mt de CO2e a mais, considerando a exploração de petróleo e gás e o refino de petróleo. Porém, ainda é cedo para identificar com clareza a tendência para as emissões da produção de combustíveis em 2020. No curto prazo, a expectativa é de menor demanda, tanto interna quanto externa, por petróleo e derivados, fazendo com que a exploração de petróleo e gás natural, bem como a produção de derivados, deixe de crescer no mesmo ritmo dos primeiros meses do ano, ocasionando queda de emissões. Já no médio prazo, a expectativa é de uma retomada do setor. O balanço final de emissões do ano dependerá das durações das desacelerações e do ritmo de retomada.

Geração de Eletricidade (Serviços Públicos)

Avalia-se que o distanciamento social e a diminuição da atividade econômica ocasionados pela pandemia de COVID-19 se refletiram em um encolhimento geral do consumo de eletricidade, causando, por sua vez, uma menor geração de energia elétrica, o que resulta em diminuição de emissões em um cenário de manutenção da participação das diferentes fontes de geração na matriz elétrica (térmica, hidráulica, eólica e solar). Se não houver grandes mudanças no comportamento dessas fontes, as emissões do subsetor devem reduzir com a retração na atividade econômica esperada para o ano, conforme já aconteceu no último mês de abril, que teve queda de cerca de 0,4 Mt de CO2e em relação ao mesmo mês de 2019.

Siderurgia

Tomando como referência os dados de produção de aço no primeiro trimestre dos últimos dez anos, segundo o Instituto Aço Brasil, 2020 registrou o terceiro índice mais baixo desse período. Comparando os primeiros trimestres de 2020 e 2019, houve uma redução de 7% na produção, o que representaria uma redução aproximada de 0,9 Mt de CO2e emitido (assumindo 1,44 tCO2e por tonelada de aço).

Cimento e Cal

Segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento, no primeiro quadrimestre de 2020, as vendas de cimento se mantiveram em níveis muito próximos dos registrados para os mesmos meses (janeiro a abril) dos últimos anos. O sindicato avalia que essa estabilidade se deve à estratégia comercial de algumas empresas, que anteciparam as compras em função da elevação do dólar, e à continuidade das obras imobiliárias no país. Sendo o setor construtivo diretamente influenciado pela economia do país, há, no entanto, a possibilidade de diminuição da atividade cimenteira em consonância com o previsto encolhimento econômico futuro, gerando também queda nas emissões desse subsetor.

Pecuária

O mercado de carne bovina tem agora previsão de crescimento menor que o esperado (de 3,5% para 1,1%). Isso significa que centenas de milhares de cabeças que podem deixar de ser abatidas neste ano. Com menos abates, mais bovinos estariam sendo retidos no campo e, portanto, emitindo GEE. Os abates do mês de Abril de 2020 são quase 20% menores que o mês de Março (início da pandemia no Brasil) e é 30% menor que a sua média dos últimos 10 anos, o que representa de algo em torno de 500 mil bovinos que deixaram de ser abatidos em apenas um mês. Se essa redução de abates se consolidar até o final do ano, é de se esperar que apenas o mês de março aumente ao redor de 1 milhão de tCO2e as emissões de GEE anuais do setor em 2020.

Fertilizantes Sintéticos

Responsável por aproximadamente 10% das emissões de GEE do setor agropecuário, o consumo de fertilizantes nitrogenados, mesmo em um contexto da pandemia, tem uma expectativa de aumento entre 1,5 e 3,0% em relação ao ano de 2019. Esse aumento é projetado mesmo se considerando alguma restrição de escoamento de insumos agrícolas, uma vez que grande parte é importada e, portanto, está sujeita aos possíveis impactos em portos e no transporte rodoviário. Entretanto, nada disso tem sido confirmado.

Cultivo de Arroz

Desde o começo da pandemia no Brasil os consumidores passaram a estocar alimentos, como o arroz, o que tem, na verdade estimulado a formação de estoque pelo atacado e o varejo. Esse fato poderia, na verdade, estimular a expansão do plantio de alimentos. Entretanto, nada disso tem sido confirmado e, dessa maneira, não é esperado que a pandemia traga algum efeito adicional nas emissões de GEE do setor de agropecuária por meio da produção agrícola em geral.

Cana de Açucar

O impacto da pandemia na cana-de-açúcar está mais voltado para seus produtos e não para a safra. As emissões de GEE pela queima resíduos da cana-de-açúcar corresponde a apenas 1,4% das emissões de GEE do setor agropecuário brasileiro e ainda vem diminuindo ao longo dos anos. E, apesar da redução do preço do petróleo que tem afetado o preço do álcool, e o dólar fortemente valorizado frente ao Real podem fazer com que usinas brasileiras direcionam mais cana-de-açúcar para a produção do adoçante, aumentando as exportações nacionais do produto.

Disposição de Resíduos

Apesar da tendência global de aumento na geração de resíduos sólidos urbanos e diminuição de taxas de reciclagem, o Brasil apresentou, no período de 15 março a 17 de abril, uma dimunuição na taxa de resíduos gerados, bem como um aumento nas taxas de reciclagem. Esse aspecto pode estar associado a uma menor contribuição de pequenos geradores e a uma maior percepção da população quanto a reciclagem durante o isolamento social. É preciso advertir que esse comportamento diferenciado da geração de resíduos no país pode se dar apenas em um primeiro momento da pandemia e é necessário acompanhar as informações setoriais para compreender o real impacto do COVID-19 nas emissões de GEE pela disposição final de resíduos

Incineração de Resíduos

Novamente, a nível global se observou um crescimento significativo na quanitdade de resíduos hospitalares gerados . No entanto, no levantamento setorial de 15 de março a 17 de abril, foi observada uma redução de 17% na geração de resíduos de serviços de saúde no Brasil. Essa variação pode estar associada um momento inicial de combate a pandemia, onde se observou uma paralisação de procedimentos eletivos e a não saturação dos serviços do saúde. A tendência nacional é que, como aumento da demanda dos serviços hospitalares, o setor apresente um aumento singificativo na quantidade de materiais gerados, e, consequentemente nas emissões de GEE.

Tratamento de Efluentes Domésticos

As emissões de GEE oriundas do tratamento de efluentes líquidos domésticos estão associadas ao número de habitantes e aos tipos de tratamento adotados. Diante da ausência de dados conclusivos, sugere-se que o comportamento desse subsetor não deverá ser afetado a curto prazo pela pandemia.

Tratamento de Efluentes Industriais

As emissões de GEE associadas ao tratamento de efluentes líquidos industriais são estimadas para as diferentes atividades industriais responsáveis pela geração de efluentes com altas taxas de carga orgânica. Como as estimativas se relacionam com diretamente com as as atividades industriais, sugere-se que as emissões de GEE do setor devam apresentar redução. Destaca-se que se diferentes produções industriais, como por exemplo a fabrição de celulose, podem não ser afetadas negativamente pelo COVID-19 e apresentar um aumento ou estabilização nas emissões de GEE.

Mudança de Uso da Terra na Amazonia

O desmatamento na Amazonia medido pelos alertas do DETER/INPE cresceu 46% nos meses de março e abril de 2020 quando comparado com mesmo periodo de 2019. Porém sergue uma tendencia de crescimento continuar desde maio de 2019. Ou seja, o desmatamento da Amazônia continua crescendo a despeito da COVID19.

Mudanças de Uso da Terras no Cerrado

O desmatamento no Cerrado medido pelos alertas do DETER/INPE caiu 26% nos meses de março e abril de 2020 quando comparado com mesmo periodo de 2019. Porém sergue uma tendencia de recuo desde 2019. Ou seja, o desmatamento no Cerrado continua com a tendencia anterior a chegada da COVID19.